DATA: 05/04/2022 - Arquivado em ""
Por Janine Agra
Um assunto que tem ganhado destaque nos últimos anos é a prática de ato de improbidade administrativa pelos agentes políticos que padronizam os bens públicos nas cores utilizadas durante a campanha eleitoral, olvidando dos princípios que norteiam a Administração Pública para satisfazer interesses pessoais.
A Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei 8429/1992, prevê expressamente em seu artigo 11, inciso XII, queconstitui ato de improbidade administrativa “praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos”. Sendo assim, nota-se que,embora a prática há muito tenha sido prevista na norma proibitiva,ainda presenciamos agentes políticos que insistem em praticar tais atos, em total desrespeito ao patrimônio público e à moralidade administrativa.
Um ponto básico e fundamental, que notoriamente é de conhecimento de todo e qualquer agente político, é que todos os atos administrativos devem obedecer aos princípios basilares norteadores da Administração Pública, quais sejam os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como bem dispõe o artigo 37 da CF/88. Partindo dessa premissa, é de se esperar que os agentes políticos cumpram com o básico do que a Lei determina, exercendo seus mandatos com a prática de atos de diversos segmentos que possuam uma finalidade em comum: o interesse público.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado tem sua essência na própria razão de existir da Administração Pública, de modo que a Administração deve sempre atuar com vistasaos interesses da coletividade. Dentre tantas ocasiões em que este princípio pode ser aplicado, podemos citar as obras e serviços públicos executados pelo Município, que devem, além de tantos outros fatores, visar o interesse social.
O que podemos concluir quando um Chefe do Poder Executivo municipal que acabou de ser eleito, por exemplo, executa serviços de pintura em uma escola pública? Se nos vem à cabeça a ideia de revitalização, denecessidade de realização de benfeitorias, a fim de tornar a escola mais moderna, conservada e apta a receber os alunos e funcionários, nossa conclusão é de que o gestor municipal está seguindo os preceitos legais e atendendo aos princípios básicos da Administração Pública e ao interesse público. Mas e se essa pintura for realizada com as cores utilizadas na campanha eleitoral do prefeito? Cores essas que em nada se relacionam com a história daquele município? Pois é, nessa situação até poderia o gestor estar buscando a melhoria daquela escola, mas não somente isto. Estaria muito mais buscando sua própriapromoção pessoal, tentando associar aquele serviço à sua pessoa e à sua gestão, ferindo gravemente o princípio da impessoalidade.
Nesse sentido, o parágrafo primeiro do artigo 37 da CF/88 é bastante claro ao vedar as promoções pessoais dos agentes políticos, afinal de contas quem realiza os serviços é o ente público e não o gestor que o representa naquele período.
Tem se tornado bastante corriqueiro Chefes do Poder Executivo que, após assumirem uma nova gestão municipal, padronizam os bens públicos do município nascores que foram fortemente utilizadas em sua campanha eleitoral. A par disso, a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou em julho de 2020 uma prefeita de Ouroeste por ato de improbidade administrativa por ter utilizado verbas públicas para promoção pessoal, visto que a mesma usou as cores do partido ao qual era filiada na pintura de prédios e bens públicos, tais como postes, lixeiras, veículos, uniformes de servidores do município, além de criar uma logomarca nas mesmas cores.
Apesar da alegação da prefeita de que o objetivo das pinturas era revitalizar os prédios públicos do município, este argumento foi afastado pelo Desembargador Relator Paulo Barcellos Gatti, que assim entendeu:
“Os robustos elementos de prova carreados aos autos indicam que a prefeita de Ouroeste, em comportamento flagrantemente doloso, acarretou danos ao erário e violou o princípio da impessoalidade ao proceder à revitalização de bens públicos com as cores de seu partido, não tendo buscado com essa conduta a realização do interesse público, mas sim a satisfação do desejo de publicidade pessoal, custeada com dinheiro público”.
E aqui, abre-se um espaço para demonstrar o porquêesses atos de improbidade são tão lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa. Pois bem, o patrimônio público nada mais é que o conjunto de bens, direitos e valores pertencentes a um determinado país, estado ou município, incluindo-se, por exemplo, os bens materiais como edifícios que sediam os serviços públicos, as escolas, os postos de saúde, as praças, os monumentos, entre tantos outros. Além deles, também existem os bens imateriais, que são aqueles que abarcam a história daquela localidade e de todos os seus cidadãos, por isso, é papel fundamental do ente público e de toda a população zelar e proteger esses bens, que devem servir a toda coletividade.
Quando um Chefe do Poder Executivo municipal que assume uma nova gestão resolve, simulando pretender a garantia do interesse público, modificar as cores dos bens públicos daquele município, ele não altera apenas a estética, mas a base histórica daquela localidade que, em regra, tem suas cores estampadas na própria bandeira municipal. O ato lesivo ao patrimônio público, portanto, atinge inúmeras esferas e vai muito além da prática do ato de improbidade.
Para o doutrinador Hely Lopes Meirelles “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.”. (MEIRELLES, 2012, p. 90).
Seguindo este raciocínio, o princípio da moralidade administrativa não está pautado apenas na lei, mas também na moral comum, boa-fé, lealdade, probidade e em um conjunto de regras inerentes à administração pública. Sendo assim, o agente público deverá atuar sem desprezar o elemento ético de sua conduta. No caso exposto acima, do prefeito que assume nova gestão e modifica as cores do município visando sua promoção pessoal, além da violação à lei por inúmeros fatores, tais como a utilização de dinheiro público com finalidade pessoal e a quebra de inúmeros princípios administrativos, também se atinge a esfera moral do agente público, que age em total desonestidade e má-fé.
Em recente decisão, o Ministro do STF Edson Fachininadmitiu Recurso Extraordinário interposto contra acordão do Tribunal de Justiça da Paraíba, que condenou prefeito por ato de improbidade administrativa decorrente da padronização de todos os bens públicos do município com as cores utilizadas em sua campanha eleitoral. O prefeito pintou os prédios públicos, bancos de praças, grades de proteção, postes, adesivou os veículos municipais e modificou, inclusive, as rampas de deficientes que em todo o país são da cor azul. Fachinentendeu, portanto, que o referido gestor municipal atentou contra os princípios da administração pública, em especial o da impessoalidade e da moralidade, além de ofender frontalmente norma constitucional que veda a publicidade governamental para fins de promoção pessoal.
A improbidade administrativa praticada pelo agente político que utiliza recursos e bens públicos visando finalidade privada e pessoal pode ter penalidades diversas. Os artigos 10 e 11 da Lei 14.230/2020 tratam dos casos de improbidade que geram lesão ao erário e violação aos princípios da administração pública, respectivamente, e o artigo 12, incisos II e III da mesma lei, apresentam as penalidades cabíveis nestes casos, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, a depender da gravidade do ato e do prejuízo causado ao erário público.
Analisando tudo que fora aqui exposto, nota-se que a promoção pessoal pode ser pretendida de diversas formas pelo gestor municipal, que por vezes privilegia os interesses privados em detrimento das finalidades públicas, o que reverbera na proliferação de ações judiciais que, no mais das vezes, culminam por impor ao agente ímprobo sanções de elevado nível de lesividade.
Por isso,este é um assunto que merece bastante atenção, afinal todos nós somos responsáveis por eleger nossos representantes, mas, além disso, precisamos estar atentos aos atos por eles praticados, para que o interesse público seja sempre respeitado e preservado.