DATA: 16/12/2021 - Arquivado em "Artigos"
Por: Renam Braida Marrache
A unidade familiar padronizada, existente até meados do século passado, era composta pela união de um homem e uma mulher em matrimônio, que passavam a ter filhos ao longo da união. A sociedade, até então, era absolutamente patriarcal, ou seja, num sistema em que os homens eram tidos como nutridores do lar e a quem competia tomar as decisões importantes da família, cabendo à mulher, em posição de submissão, cuidar da casa, dos filhos, do marido e atender aos anseios do cônjuge.
Outro instituto atualmente fundamental, qual seja, o do divórcio, somente veio a ser oficialmente admitido no Brasil no ano de 1977, por meio da Lei Federal nº. 6.515, do mesmo ano (que regulamentou a previsão da Emenda Constitucional/Constituição Federal de 1969, na qual impunha-se a necessidade de que qualquer projeto de divórcio somente seria possível com a aprovação de Emenda Constitucional por dois terços de senadores de deputados) que, ainda assim, permitia a possibilidade de apenas um novo casamento.
Antes disso, vigia o instituto do “desquite”, por meio do qual havia a separação de corpos e efetivação do regime de bens, mas mantinha-se a relação matrimonial, haja vista que a Constituição Federal vigente até 1969 expressava o casamento como “vínculo indissolúvel”. Ainda assim, como se sabe, a mulher “desquitada” foi, por tempos a fio, discriminada pela sociedade em geral, situação tal que não ocorria com os homens, que nenhuma consequência “moral” sofriam decorrente da separação, obviamente, mais uma vez, em função do patriarcado que, ainda hoje, tem resquícios e causa transtornos e obstáculos às componentes do sexo feminino.
Na sociedade contemporânea, a dinâmica das relações afetivas e familiares sofreu mudanças substanciais, entre elas (e não apenas), a possibilidade da união estável (união pública, duradoura e com objetivo de constituir família, que embora não seja oficializada como o casamento, tem os mesmos efeitos de um, com regime de bens estabelecido da comunhão parcial), a coparentalidade (união de um homem e uma mulher sem vínculo “romântico”, para gerar e criar filho(s)), as relações “suggar” (uma das partes, bem provida financeiramente, sustenta com dinheiro, presentes e outros benefícios em troca de companhia e, possível e eventualmente, uma relação amorosa) e a família monoparental (composta por apenas um pai ou uma mãe e um ou mais filhos).
Há de se mencionar, ainda, que muito embora a legislação brasileira só admita a união monogâmica, já possível se ter notícia de uniões de ordem poligâmica, ou seja, que envolvem não apenas um homem e uma mulher. Além disso, já se faz consolidada posição do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de união civil (casamento) de homossexuais, pois a Constituição Federal não comporta, na atual conjuntura, qualquer tipo de discriminação em razão de raça, sexo, cor ou religião.
Vejamos que muito embora a Constituição Federal estabeleça a unidade familiar como união entre um homem e uma mulher, a evolução da sociedade e das relações familiares/afetivas acaba por obrigar o Direito a se curvar à nova dinâmica social e se adaptar ao modelo de relações interpessoais vigente.
Daí que o caminho que acredita-se irá trilhar o Congresso Nacional nos próximos anos será o de regulamentar e tratar, nas suas minúcias, as relações afetivas e familiares ora existentes, obviamente sem esgotar o tema, afinal, por certo, novos formatos de relações sociais advirão, ainda que decorrentes dos modelos já conhecidos.
Faz-se por bem realizar uma breve delineação sobre duas formas contratuais supracitadas, a primeira delas, o contrato de coparentalidade.
Atualmente, muitas pessoas não nutrem a intenção de manter uma relação amorosa/romântica com outras, mas possuem a intenção de ter descendentes. Preferem encontrar alguém apenas e tão somente com a finalidade de gerar e criar seus rebentos (via de regra, também não se interessam por adotar, até pela dificuldade que se impõe no processo de adoção, especialmente a pessoas não casadas). Logo, para que seja viável estabelecer regras, com deveres/obrigações aos interessados nesta modalidade de relação familiar/afetiva, entende-se por primordial que seja firmado um contrato de coparentalidade.
Outro modelo recente de relação “afetiva” é o “sugar”, relação na qual existe um “sugar daddy” ou uma “sugar mommy” (que são pessoas bem sucedidas financeira e profissionalmente, via de regra) e um(a) “sugar baby” (pessoas jovens, fisicamente atraentes e ambiciosos, via de regra), na qual os primeiros se interessam por conceder mimos, presentes e regalias ao(à) segundo(a), enquanto este(a) se dispõe a acompanhar os primeiros em eventos e a, caso se interesse, se envolver, eventualmente, amorosamente com eles. Veja que não é uma forma de contratação que regulamente uma relação de prostituição, pois não envolve diretamente a realização de prática sexual, mas sim uma relação de companhia e convívio, com regras claras e previamente estabelecidas. Portanto, para se ter segurança em uma relação desta modalidade, importante que seja formalizado um contrato de relacionamento “sugar”.
Há ainda o Contrato de namoro, já tratado em artigo anterior desta Banca, que visa regulamentar regras de uma união preliminar a uma união estável/casamento.
O presente artigo não tem a intenção de debater as controvérsias existentes em torno das modalidades contratuais supra relatadas, mas vale salientar que, como toda e qualquer forma de contratação, apesar da liberdade de contratar (autonomia de vontade das partes), as regras previstas não são absolutas, ou seja, embora gerem lei entre as partes, não pode se sobrepor à legislação vigente (não pode contemplar regramentos vedados por lei e defeitos no negócio jurídico, além de ter de primar pela obediência a princípios como o da dignidade da pessoa humana, da função social dos contratos e da boa-fé objetiva).
Portanto, não há nada de ilegal ou extrajurídico nas relações afetivas ou familiares que se colocam em voga na atualidade, com a cautela de que as pessoas que se vejam diante de situações tais quais as mencionadas ao longo do texto em referência busquem formalizar contratos escritos e/ou escrituras, com regras pré-definidas, por intermédio de profissional jurídico qualificado, com a intenção de viabilizar uma segurança maior entre os envolvidos na relação e tranquilizar, a si e aos demais envolvidos, quanto aos efeitos que a relação entre eles tem e terá.